3 de jan. de 2012

No dia em que (não) me vesti de anjinho

Nas aldeias, as romarias foram durante muito tempo não apenas uma festa, como a principal ou, em alguns casos, a única FESTA. 
Na minha aldeia, onde os movimentos migratórios tiveram um peso considerável, a "festa" era em agosto (ver o filme "Aquele querido mês de agosto"). Nesta altura chegavam todos os filhos da terra;  os que estavam em França e os que tinham constituído o êxodo rural e moravam em Lisboa (entenda-se por Lisboa, os arredores, quer da margem sul - Casal do Marco, Cova da Piedade, Almada, Cruz de Pau, etc. - quer da margem norte - Alhandra, Vila Franca de Xira,... - .
Eu, como qualquer criança, adorava a festa da minha aldeia. Para além da procissão com o padre Marvão, havia a tourada (hoje só de pensar me arrepio), a quermesse, a banda, as corridas de bicicleta, o jogo de futebol e, é claro, o baile.
Havia uma comissão de festas, da qual nunca fiz parte, que ao longo do ano organizava diversas actividades para angariar dinheiro para a "festa".
Depois a aldeia ficava enfeitada. Todos pintavam as casas, por dentro e por fora, para que tudo ficasse branquinho. Como não poderia deixar de ser havia sempre competição com a casinha mais branca. A minha era caiada de branco e tinha uma barra azul. 
Na hora da procissão punham-se colchas à janela e também aí havia competição.

Porém, o que eu mais gostava era de me vestir de anjinho e andar na procissão. Fiz a catequese, portava-me bem, mas nunca havia oportunidade para vestir o vestido branco, colocar as asas e ter uma coroa.
Um dia a minha mãe lá me conseguiu arranjar uma farda de anjo, pedida emprestada a uma senhora de uma aldeia vizinha. Meu Deus como estava feliz! A farda foi  um mês antes lá para casa, mas as indicações para a não estragar eram tantas que só a conseguia imaginar e nunca tocar.
Chegou o dia da festa, mas por algo que não me consigo recordar a minha mãe não me vestiu (coisas que ela tinha...) e eu passei o dia  a brincar na casa de uma vizinha. Passou o dia e só quando ouvimos o sino é que me lembrei que era hora da procissão. Ainda tentei correr para casa, mas pelos vistos tinha mesmo que ficar ali. A vizinha fez o papel dela e desdramatizou dizendo que o percurso era duro para mim. Lembro-me bem de como me senti. 
Assim foi desperdiçada  a minha única oportunidade de ser anjo.
Até hoje vivo fascinada pelos anjos :)
http://rouxinoldepomares.blogs.sapo.pt/2011/08/18/

3 comentários:

João Roque disse...

Já agora, onde fica a aldeia?
Adoro esta música da Elis...

Rafeiro Perfumado disse...

Atendendo ao que se diz dos anjos (não terem costas, não terem sexo) acho que não te deves importar tanto por não ter sido um.

Beijoca!

Graça Sampaio disse...

Porque é que as mães nos faziam essas coisas? A minha mãe também tinha dessas coisas. E uma pessoa fica "marcada" para o resto da vida por uma coisa sem grande importância.

Gosto muito de ouvir a Elis Regina.
Beijinhos