8 de jan. de 2012

(in)dignidade!

dignidade
(latim dignitas, -atis)
s. f.

1. Qualidade de digno.
2. Modo digno de proceder.

3. Procedimento que atrai o respeito dos outros.

4. Brio; gravidade.
5. Cargo ou título de alta graduação.
6. Honraria.
7. [Antigo]  Dignitário.
In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Muito poderia escrever sobre a dignidade, porém,  hoje vou limitar-me a contar-vos algo que assisti. Primeiro fiquei em choque e depois pensei: eis o pior da crise "a perda da dignidade humana".
Não que não saiba, há muito, que a mendicidade tem aumentado em número assustador; ou que a crise levaria ao aumento da miséria, entre outras coisas mais...
Ao pé da minha casa já tinha visto mendigos  a pedir, sempre romenos. Aos idosos que ficam em casa sem comer e que têm vergonha de pedir, já tinha ajudado, o que não vem aqui ao caso. Mas o que vi hoje, aqui perto da minha casa é que foi inédito.
Ia eu ao café quando vejo um senhor a apanhar a comida que alguém tinha deixado na rua para os gatos. Foi demasiado chocante para mim. Não consegui reagir, mas o senhor lá continuou a apanhar os restos de esparguete e a colocar num saco.
Não consigo deixar de pensar no assunto por muitos motivos. Primeiro porque quero tentar ajudar ou minimizar esta situação, depois porque me apercebi que 2012 mal entrou e o pior já se acentua. 
Tenho medo, medo porque sei que não poderei ajudar todos os que se cruzam comigo, medo que os casos sejam tantos que me torne indiferente.
A perda da dignidade humana é  uma outra faceta da crise, tão assustadora como tudo o resto.
Lembrei-me do livro de Primo Levy: É isto um homem?
Fiquei com raiva dos governantes, da globalização, da humanidade!

3 de jan. de 2012

No dia em que (não) me vesti de anjinho

Nas aldeias, as romarias foram durante muito tempo não apenas uma festa, como a principal ou, em alguns casos, a única FESTA. 
Na minha aldeia, onde os movimentos migratórios tiveram um peso considerável, a "festa" era em agosto (ver o filme "Aquele querido mês de agosto"). Nesta altura chegavam todos os filhos da terra;  os que estavam em França e os que tinham constituído o êxodo rural e moravam em Lisboa (entenda-se por Lisboa, os arredores, quer da margem sul - Casal do Marco, Cova da Piedade, Almada, Cruz de Pau, etc. - quer da margem norte - Alhandra, Vila Franca de Xira,... - .
Eu, como qualquer criança, adorava a festa da minha aldeia. Para além da procissão com o padre Marvão, havia a tourada (hoje só de pensar me arrepio), a quermesse, a banda, as corridas de bicicleta, o jogo de futebol e, é claro, o baile.
Havia uma comissão de festas, da qual nunca fiz parte, que ao longo do ano organizava diversas actividades para angariar dinheiro para a "festa".
Depois a aldeia ficava enfeitada. Todos pintavam as casas, por dentro e por fora, para que tudo ficasse branquinho. Como não poderia deixar de ser havia sempre competição com a casinha mais branca. A minha era caiada de branco e tinha uma barra azul. 
Na hora da procissão punham-se colchas à janela e também aí havia competição.

Porém, o que eu mais gostava era de me vestir de anjinho e andar na procissão. Fiz a catequese, portava-me bem, mas nunca havia oportunidade para vestir o vestido branco, colocar as asas e ter uma coroa.
Um dia a minha mãe lá me conseguiu arranjar uma farda de anjo, pedida emprestada a uma senhora de uma aldeia vizinha. Meu Deus como estava feliz! A farda foi  um mês antes lá para casa, mas as indicações para a não estragar eram tantas que só a conseguia imaginar e nunca tocar.
Chegou o dia da festa, mas por algo que não me consigo recordar a minha mãe não me vestiu (coisas que ela tinha...) e eu passei o dia  a brincar na casa de uma vizinha. Passou o dia e só quando ouvimos o sino é que me lembrei que era hora da procissão. Ainda tentei correr para casa, mas pelos vistos tinha mesmo que ficar ali. A vizinha fez o papel dela e desdramatizou dizendo que o percurso era duro para mim. Lembro-me bem de como me senti. 
Assim foi desperdiçada  a minha única oportunidade de ser anjo.
Até hoje vivo fascinada pelos anjos :)
http://rouxinoldepomares.blogs.sapo.pt/2011/08/18/