4 de mar. de 2012

Moral da história...

Se não encontras nenhum motivo para dar graças, então a falha encontra-se dentro de ti. (in sabedoria indígena)
Quando era criança lia imenso. Adorava ler e esse era o meu refúgio. 
Foi através dos inúmeros livros lidos que tomei consciência que o meu mundo existia verdadeiramente para lá da minha aldeia e que  as portas estavam abertas para qualquer Maria papoila, desde que essa tivesse coragem de as transpor.
Não tendo acesso à compra de livros, a biblioteca itinerante da Gulbenkian foi a varinha mágica que me proporcionou momentos tão diversos: de deslumbramento, de intensidade de sentimentos, de paixão, encantamento, alegria, suspense, sonho, divertimento e, é claro, de conhecimento.
Comecei a frequentar a biblioteca aos 6 anos e até decisões políticas que puseram fim ao seu serviço não me recordo de alguma vez ter falhado uma visita do autocarro à aldeia.
Foi na biblioteca itinerante que tive o primeiro contato com livros infantis, "Nodi"; "Pequenu"; "Anita" e outros mais, menos conhecidos mas igualmente interessantes. 
Guardo, com especial carinho,as  recordações das histórias da Majora, em que todas terminam com "moral da história..."
A vantagem destas histórias é que os bons eram compensados e os maus castigados. A vida era justa, portanto! Com estas histórias fui formando a minha personalidade, acreditando (muito mais que nos livros e nas sessões de catequese que compuseram a minha experiência no ramo religioso) que mais tarde ou mais cedo a justiça sereia feita. Felizmente ou infelizmente a vida não é para tolas e à primeira oportunidade lá me apercebi que nem sempre a vida é justa, que os maus quase sempre vencem os bons, sobretudo se estes forem "tansos", que o amor nem sempre vence, que por vezes as armas mais vis derrubam os crentes no bem e que embora a verdade venham ao de cima -  como sempre proclamou a minha avó - o tempo que demora deixa por vezes marcas danadas...
Porém, a vida também me ensinou que não há verdades absolutas e que cada história tem tantas verdades como as pessoas envolvidas e os olhares que por ela se debruçam. Também é verdade que ninguém é sempre mau e/ou sempre bom, mas sobre isso as histórias da majora não se pronunciaram.
Não sei se os políticos que desde o 25 de abril  desgovernan este país leram as histórias da majora (de repente tive um susto, imaginei o Cavaco silva criança e já era detestável, cínico e sonso), ou que histórias leram, mas alguma coisa falhou porque não me parece que os seus livros tivessem no final "moral da históra"; talvez fosse livros "amorais", em que estes podiam enganar, roubar e destruir um país saindo impunes e como heróis...

28 de fev. de 2012

Amizade - construir muros em vez de pontes



São tantos os textos sobre a amizade que me parece não ter nada de novo para escrever. Aliás, ultimamente acontece-me isso com qualquer tema, talvez por isso escreva cada vez menos.
A amizade, tal como o amor, é um sentimento essencial na vida de cada ser vivo; seres sem amigos são certamente mais pobres e infelizes. Falo aqui de uma amizade verdadeira, aquela que se constrói no dia a dia, seja em criança ou em adultos; implicando discussões, alegrias, sorrisos, amuos, cumplicidades e todas as coisas possíveis e imaginárias que compõem a amizade.
Claro que todos temos histórias de amigos reais que, por díspares motivos, podem ter conduzido a um desfecho mais triste com o fim da amizade, mas estes casos nada têm a ver com a expressão, quase tão popular como o amigar, vulgarmente denominada “desamigar”.
A amizade para mim é deveras preciosa. Tenho vários amigos – reais – alguns muito especiais, tão especiais que complementam a família. Sem querer citar ninguém, nem tão pouco plagiar, a verdade é que a amizade é para mim uma muleta indispensável ao meu equilíbrio, sem os meus amigos a minha vida seria mais pobre.

Demorei muito a aderir ao facebook, não havia chamamento para tão artificial forma de ter amigos e, por outro lado, irritava-me que me pressionassem e me achassem "ave rara" por não ter conta no FB.
Por questões de trabalho tive que criar uma página de FB. Aos poucos os meus amigos foram tornando-se amigos do projecto, comentando e enviando mensagens como se a página fosse minha e eu a única a administrá-la. Perante a ameaça de ver comentários pessoais misturados com trabalho, lá abri uma página pessoal na mais famosa rede social. E porque não há fome que não dê em fartura, como diz o sábio povo, o projecto de doutoramento que também incluía a visão do tema através das redes sociais lá me induziu a criar uma outra página, mais aberta e específica. E, de repente vejo-me a braços com várias páginas…
Tenho que reconhecer que o FB é viciante mas não preenche. No meu caso é quase por rotina que faço “gosto” ou “partilha”.
Tenho saudades de estar com os meus amigos, embora sempre que possa procure arranjar forma de estarmos juntos, ou melhor, procuramos, (mesmo que esta vida atribulada tal dificulte).
Acho a amizade e a compreensão entre as pessoas tão importante que tenho pena quando, quer por orgulho, ciúmes, desequilíbrios ou outros quaisquer motivos, se  arranjam forma de derrubar amizades em vez de as construir. Lamento mesmo! Sobretudo quando essas pessoas conseguem ter tantos amigos virtuais. Será sinal de solidão?
Se temos o dom da palavra, se somos inteligentes, então porque construímos muros em vez de pontes?

8 de jan. de 2012

(in)dignidade!

dignidade
(latim dignitas, -atis)
s. f.

1. Qualidade de digno.
2. Modo digno de proceder.

3. Procedimento que atrai o respeito dos outros.

4. Brio; gravidade.
5. Cargo ou título de alta graduação.
6. Honraria.
7. [Antigo]  Dignitário.
In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Muito poderia escrever sobre a dignidade, porém,  hoje vou limitar-me a contar-vos algo que assisti. Primeiro fiquei em choque e depois pensei: eis o pior da crise "a perda da dignidade humana".
Não que não saiba, há muito, que a mendicidade tem aumentado em número assustador; ou que a crise levaria ao aumento da miséria, entre outras coisas mais...
Ao pé da minha casa já tinha visto mendigos  a pedir, sempre romenos. Aos idosos que ficam em casa sem comer e que têm vergonha de pedir, já tinha ajudado, o que não vem aqui ao caso. Mas o que vi hoje, aqui perto da minha casa é que foi inédito.
Ia eu ao café quando vejo um senhor a apanhar a comida que alguém tinha deixado na rua para os gatos. Foi demasiado chocante para mim. Não consegui reagir, mas o senhor lá continuou a apanhar os restos de esparguete e a colocar num saco.
Não consigo deixar de pensar no assunto por muitos motivos. Primeiro porque quero tentar ajudar ou minimizar esta situação, depois porque me apercebi que 2012 mal entrou e o pior já se acentua. 
Tenho medo, medo porque sei que não poderei ajudar todos os que se cruzam comigo, medo que os casos sejam tantos que me torne indiferente.
A perda da dignidade humana é  uma outra faceta da crise, tão assustadora como tudo o resto.
Lembrei-me do livro de Primo Levy: É isto um homem?
Fiquei com raiva dos governantes, da globalização, da humanidade!

3 de jan. de 2012

No dia em que (não) me vesti de anjinho

Nas aldeias, as romarias foram durante muito tempo não apenas uma festa, como a principal ou, em alguns casos, a única FESTA. 
Na minha aldeia, onde os movimentos migratórios tiveram um peso considerável, a "festa" era em agosto (ver o filme "Aquele querido mês de agosto"). Nesta altura chegavam todos os filhos da terra;  os que estavam em França e os que tinham constituído o êxodo rural e moravam em Lisboa (entenda-se por Lisboa, os arredores, quer da margem sul - Casal do Marco, Cova da Piedade, Almada, Cruz de Pau, etc. - quer da margem norte - Alhandra, Vila Franca de Xira,... - .
Eu, como qualquer criança, adorava a festa da minha aldeia. Para além da procissão com o padre Marvão, havia a tourada (hoje só de pensar me arrepio), a quermesse, a banda, as corridas de bicicleta, o jogo de futebol e, é claro, o baile.
Havia uma comissão de festas, da qual nunca fiz parte, que ao longo do ano organizava diversas actividades para angariar dinheiro para a "festa".
Depois a aldeia ficava enfeitada. Todos pintavam as casas, por dentro e por fora, para que tudo ficasse branquinho. Como não poderia deixar de ser havia sempre competição com a casinha mais branca. A minha era caiada de branco e tinha uma barra azul. 
Na hora da procissão punham-se colchas à janela e também aí havia competição.

Porém, o que eu mais gostava era de me vestir de anjinho e andar na procissão. Fiz a catequese, portava-me bem, mas nunca havia oportunidade para vestir o vestido branco, colocar as asas e ter uma coroa.
Um dia a minha mãe lá me conseguiu arranjar uma farda de anjo, pedida emprestada a uma senhora de uma aldeia vizinha. Meu Deus como estava feliz! A farda foi  um mês antes lá para casa, mas as indicações para a não estragar eram tantas que só a conseguia imaginar e nunca tocar.
Chegou o dia da festa, mas por algo que não me consigo recordar a minha mãe não me vestiu (coisas que ela tinha...) e eu passei o dia  a brincar na casa de uma vizinha. Passou o dia e só quando ouvimos o sino é que me lembrei que era hora da procissão. Ainda tentei correr para casa, mas pelos vistos tinha mesmo que ficar ali. A vizinha fez o papel dela e desdramatizou dizendo que o percurso era duro para mim. Lembro-me bem de como me senti. 
Assim foi desperdiçada  a minha única oportunidade de ser anjo.
Até hoje vivo fascinada pelos anjos :)
http://rouxinoldepomares.blogs.sapo.pt/2011/08/18/